quarta-feira, 1 de março de 2006

GATOS E LIVROS...

Gatos e livros são, realmente, uma combinação perfeita. Nenhum outro animal sabe respeitar o silêncio e a introspecção de quem possui o hábito de ler. Ou, analisando melhor, nenhum outro animal compartilha tão intimamente desse silêncio e desse olhar mudo, com que investigamos o nosso íntimo.
Eles guardam o que Cecília Meireles chamou de "soberana melancolia" e, ao olharem para nós, investigando as nossas angústias, brota nos seus olhos erguidos o arco-íris, resumo do dia, ressuscitando dos seus olvidos, onde apagado cada um jazia, abstratos lumes sucumbidos.1

Charles Baudelaire apreciava mergulhar nesse olhos "de ágata e aço";
olhos que, para Pablo Neruda, deixaram uma só ranhura para jogar as moedas da noite (...).2

E se Cecília Meireles afirmava que eles "proclamam a monarquia da renúncia", para o poeta chileno o felino é como um pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu das telhas eróticas (...).

Poetas das mais diferentes estirpes inspiraram-se nesses seres que parecem carregar, na elasticidade dos passos e na independência em relação aos homens, um segredo que a Semiótica ainda almeja desvendar.

A fleuma felina é carregada de um leve desprezo. Impassíveis, aparentando superioridade e, até, uma certa arrogância, eles nos conquistam e, como julgou alguém, nos domesticam. Byron estava certo: "O gato possui beleza sem vaidade, força sem insolência, coragem sem ferocidade, todas as virtudes do homem sem vícios."

E Mark Twain, com desculpável pessimismo, também acerta: "Se fosse possível cruzar o homem com o gato, melhoraria o homem, mas pioraria o gato."Absolutos, plenos, únicos, independentes e visceralmente higiênicos, eles também sabem ser afáveis, mas sempre com distinção e nobreza.

Meus quatro gatos - o mais velho, sentado sobre os livros, ao meu lado, e a mais jovem esparramada na almofada e os outros dois deitados no sofá - olham-me e parecem, além de entender-me, concordar comigo. O primeiro inclina-se na minha direção, com os olhos faiscando num azul ambíguo, e, mostrando que sua intimidade com minha biblioteca não tem sido vã, sugere-me o final deste artigo, sussurrando-me, ao ouvido, uma frase que creio ser de Jean Cocteau: "Prefiro os gatos aos cães, porque não há gatos policiais."


1Os Gatos da Tinturaria, Cecília Meireles.
2Ode ao gato, Pablo Neruda.

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